quarta-feira, 19 de junho de 2013

A Espontaneidade das manifestações

por: Edmilson Marques

                O Brasil está sendo tomado no atual momento por um conjunto de manifestações espontâneas. O que será que vem provocando esse fenômeno que a cada dia está tomando proporções cada vez maiores (se manifestando em vários países e com quantidade crescente de pessoas) e mais radicais (do enfrentamento direto e declarado com o estado)?
                Mas o que é espontaneidade? Esta é parte da natureza humana. Ela se expressa de diversas maneiras no cotidiano de nossas vidas. É a expressão do desejo humano em transformar o seu cotidiano para que este possibilite o atendimento de suas necessidades básicas, como comer, beber, se vestir, morar, se locomover sem dificuldades, criando, assim, uma realidade onde possa desenvolver naturalmente suas diversas potencialidades. A liberdade, no entanto, é parte fundamental desse processo, pois, só pode haver espontaneidade se houver liberdade para se expressar e, desta forma, torna-se também, expressão de sua natureza. Assim, ser espontâneo é demonstrar através de ações práticas a potencialidade e capacidade criativa, atuando na transformação da realidade, criando e gerando o novo, porém, em liberdade.
                A espontaneidade, no entanto, pode ser limitada em consequência de ações controladoras. Isso ocorre quando as relações sociais estabelecidas entre os seres humanos inibem e limitam ações individuais e coletivas, impedindo o desenvolvimento natural de suas diversas potencialidades, a exemplo do que ocorre nas escolas, em que uma criança não cria, mas reproduz o conhecimento criado por outro, através da imposição realizada pela burocracia escolar. Quando isso ocorre um novo sentimento é gerado, o descontentamento. O descontentamento é a demonstração de que alguma coisa existente na sociedade está limitando ou dificultando o atendimento das necessidades básicas dos seres humanos, incluindo aí a liberdade. O descontentamento, portanto, expressa o desejo de romper com estes limites e dificuldades, e agir com o objetivo de suprimí-los. Ao agir com este objetivo o indivíduo consegue novamente retomar a potencialidade criativa em suas mãos, perdida outrora, indispensável para superar esses limites que lhes são impostos.
No capitalismo, no entanto, a ação espontânea é parte do cotidiano de apenas alguns poucos indivíduos, dos capitalistas e de uma parcela de seus auxiliares, uma minoria, que têm em suas mãos a possibilidade de determinar como a sociedade deve ser organizada, e é nesse sentido que a burguesia conseguiu criar um mundo à sua imagem e semelhança. Um mundo inferior, um mundo vil, que gira em torno da produção, compra e venda de mercadorias, um mundo coisificado, onde o ser humano é transformado em uma coisa para atender aos interesses daqueles.
No entanto, mesmo sendo controlada e privilégio de uns poucos, a espontaneidade, por ser parte da natureza humana, tende a se expressar na ação daqueles que são explorados e oprimidos. E é nesse sentido que atualmente o mundo, não só o Brasil, vem sendo tomado por manifestações espontâneas que aglomeram milhares de pessoas com o mesmo propósito, ou seja, o de suprimir determinadas questões sociais que lhes provocam o descontentamento. No Brasil, os meios de comunicação estão divulgando que essas manifestações se resumem à reivindicações relacionadas à passagem de ônibus, que buscam denunciar o descaso do estado com a educação, saúde, segurança etc. O estopim em várias destas manifestações de fato tem uma relação com estas questões, porém, há algo mais profundo que é preciso ser revelado.
Ao analisar a história do capitalismo, vamos perceber que toda a sua história é marcada por manifestações espontâneas, hora com maior, hora com menor intensidade. Os motivos aparentes que fazem emergir a maioria destas manifestações que ocorreram e vem ocorrendo atualmente, no entanto, diferem em relação ao que reivindicam. Atualmente vemos estourar no Brasil, por exemplo, manifestações que reclamam da cobrança, e outros do preço, de passagens de ônibus, mas há também manifestações de trabalhadores rurais, da própria polícia que clamam por melhores salários etc. A razão de ser destas diversas manifestações, no entanto, não se resume à reclamação de necessidades imediatas, embora seja essa a sua expressão aparente, mas, a algo mais profundo. Desta forma, a explicação para as manifestações espontâneas deve ser buscada na forma como a sociedade atual está organizada.
O capitalismo é uma sociedade dividida em classes sociais, e como tal, é organizada para atender aos interesses de uns poucos em detrimento da maioria. Alguns são privilegiados enquanto outros pagam pelo privilégio daqueles. É por isso que há indivíduos que podem ser portadores de meios de transportes individuais, havendo inclusive aqueles que nunca, se quer, entraram em um ônibus “coletivo”; é por isso também que há aqueles que pela exploração que exercem sobre os trabalhadores conseguem viver desfrutando das riquezas produzidas; outros recebem salários exorbitantes enquanto a maioria esmagadora recebe o mínimo para se manter vivo. Em síntese, o capitalismo foi organizado de acordo e para atender aos interesses da burguesia, e esta cede parte de seus privilégios à burocracia estatal para atuar na manutenção desta sociedade.
Podemos observar essa forma de ser do capitalismo nos locais de trabalho. O trabalho é o meio essencial que utilizamos para nos manter vivos. No entanto, foi convertido pela burguesia como o meio para aumentar e permitir os seus privilégios. É por isso que a maior parte dos trabalhadores dedica sua vida ao trabalho, mas quem vive em melhores condições e vai se enriquecendo cada vez mais são os patrões, acompanhados de perto por aqueles que os auxiliam controlando e oprimidos os trabalhadores, a burocracia. Devido a isso nunca veremos pelas ruas patrões se manifestando, utilizando-se de coquetel molotov, em confronto direto com a polícia, nem reivindicando tarifas menores das passagens de ônibus ou reclamando por melhores salários e melhores condições de trabalho. E isto não vai ocorrer pelo fato destas questões e esta sociedade não ser preocupação para eles e por ser eles a razão de ser desta situação.
Desta forma, o modo como se produz as riquezas existentes e a maneira como esta é distribuída, é a razão de ser das manifestações espontâneas. Uma vez que as riquezas produzidas são apropriadas por poucas pessoas, pelos capitalistas, isso cria uma sociedade em que a maioria é destituída destas riquezas e sofrem pelo não acesso a elas. Estando a maior parte da sociedade (as classes oprimidas e exploradas) destituída destas riquezas, logo, suas necessidades básicas se tornam um fardo, a liberdade inexistente, e a consequência é a instalação de um descontentamento generalizado. Assim se institui uma sociedade em que este descontentamento generalizado faz emergir as diversas manifestações espontâneas, que hora ou outra explodem como o fogo no cerrado, que busca queimar o velho e preparar o terreno para uma nova vida, onde a liberdade seja parte da vida cotidiana e a riqueza produzida, a realização humana.
As manifestações espontâneas expressam, desta maneira, o interesse da população oprimida e explorada de superar esta sociedade. Se o descontentamento inexistisse, não haveriam pessoas se mobilizando e gritando raivosamente por uma vida diferente desta. Assim, uma das questões que emerge com essas manifestações atuais é que representam em si a crítica à burocracia, já que não são organizadas nem mesmo guiadas por integrantes de partidos políticos. É por isso que vemos os representantes do estado assustados com esse tipo de movimento, por não saberem com quem negociar, já que no limite de suas consciências, próprio dos integrantes de partidos políticos, só conseguem pensar uma determinada organização tendo à sua frente uma vanguarda, os representantes.
Quando a espontaneidade é expressada por manifestantes que buscam representarem a si mesmos, sem delegarem a outro a sua própria representatividade, isso gera uma confusão na cabeça dos burocratas, até mesmo dos intelectuais mais esclarecidos, o que leva o estado a justificar a repressão que exercem, expressando que os manifestantes são baderneiros, vândalos e um conjunto de outros adjetivos que utilizam para desqualificar a sua espontaneidade e fortalecer a falsa ideia da necessidade de representantes.
As manifestações espontâneas, no entanto, não são frutos de articulações de partidos políticos e se organizam no processo de desenvolvimento da luta empreendida. Nestas não há alguém determinando o que fazer nem para onde seguir. As manifestações espontâneas são integradas por pessoas que tomaram enfim, em suas mãos, o destino de sua própria vida; é a crítica prática a diversas questões consequentes da forma como esta sociedade está organizada.
É preciso ainda discutir a ideia de “pacificidade” que vem sendo aclamada e dirigida à população pelos meios oligopolistas de comunicação. Podemos perguntar: qual o motivo e interesse pela “pacificidade” das manifestações? Pacífico, segundo um dicionário famoso, significa: amigo da paz; tranquilo, pacato; aceito sem discussão ou oposição. Já ser espontâneo, significa: voluntário, que se desenvolve sem a intervenção de outro. A espontaneidade exige atuação, no sentido de deixar a inércia de lado para criar com suas próprias mãos o destino de sua própria vida sem a intervenção de outro; é participação, porém, perpassa pela oposição quando há limitações para seu desenvolvimento.
A emergência de uma manifestação espontânea é sinal que os indivíduos não estão mais suportando a situação em que estão vivendo. E nesse estado é impossível tratar com pacificidade aqueles que estabelecem a repressão e a opressão como pressuposto das relações sociais. Desta forma essa concepção que defende a pacificidade caminha em sentido contrário à de espontaneidade. Assim, o que os meios oligopolistas de comunicação estão defendendo é o recuo e limitação das manifestações espontâneas, o seu controle.
A defesa da pacificidade não possibilita a criação do avanço da luta e se limita a reproduzir a mesma sociedade pautada na opressão e exploração de uma minoria sobre a maioria. Com isso os meios oligopolistas de comunicação, ao invés de contribuir com o avanço das lutas espontâneas, no sentido de motivá-las a atingir a radicalidade ao ponto de colocar a ordem capitalista em xeque, o que fazem é se colocarem como limitadores da ação coletiva, o que demonstra estarem do lado da burguesia e também ao lado do estado.
                A radicalização crescente das manifestações, no entanto, é uma resposta à intensificação da exploração capitalista. Com a intensificação da exploração, consequentemente, houve a necessidade de intensificar a repressão e o controle por parte do estado. Desta forma, de um lado o estado vem se utilizando da repressão cada vez mais brutal para manter a ordem estabelecida pelo capitalismo. Mas de outro, em resposta a essa repressão vem ocorrendo a emergência das manifestações espontâneas, que, sem as poderosas armas empunhadas pelo estado, respondem com uma força equivalente através da união coletiva, movimentando-se a passos largos, tornando-se um só e se levantando como um gigante diante do estado, agora, não mais pedindo sua permissão para passar, pois solicitar dele o seu consentimento, é o mesmo que ceder às suas ordens e correr o risco de ser obrigado a virar as costas para ser chicoteado. O sentimento comunitário é, desde sempre, a força principal, necessária para o progresso da revolução (PANNEKOEK, 2007, p. 159).
É claro que esse processo de luta contra o capitalismo não vai ocorrer de forma pacífica. O estado utilizará de todas as suas forças (armadas até os dentes) para defender esta sociedade, e é por isso que as manifestações espontâneas têm mostrado que o meio para se efetivar a transformação social só será possível através de uma atuação conjunta radicalizada, sem ser pacífico com a situação instituída, como criticam os meios oligopolistas de comunicação. Assim, a exploração realizada nos locais de trabalho e o tratamento repressor que o estado oferece à população são os motores, agora, com uma intensidade ainda maior, em todos os cantos do mundo, de todas as manifestações espontâneas que vem estourando em todas as partes do globo terrestre.
A possibilidade da transformação social começará a se colocar, no entanto, quando as diversas manifestações espontâneas que emergem fora dos locais de trabalho eclodirem simultaneamente à luta espontânea do proletariado, momento em que se abre a possibilidade de ultrapassarem o campo das reivindicações imediatas e efetivar uma greve geral e de ocupação ativa. Os operários
Sabem que para conseguir sua própria emancipação, e com ela essa forma superior de vida para a qual tende irresistivelmente a sociedade atual, por seu próprio desenvolvimento econômico, terá que enfrentar longas lutas, toda uma série de processos históricos que transformarão as circunstâncias e os homens. Eles não têm que realizar nenhum ideal, mas simplesmente liberar os elementos da nova sociedade, que a velha sociedade burguesa agonizante traz em seu seio (MARX, 1986, p. 77).

Um dos limitadores daquelas manifestações é que se restringem, por exemplo, a reivindicar melhores salários, tarifas menores das passagens de ônibus, melhores condições de trabalho, etc. Pautar a luta pela revindicação só adia o processo que levará à transformação social. Tanto é que quando essas passam e os manifestantes conseguem dos capitalistas o consentimento de suas reivindicações, voltamos a receber salários e ser controlados e explorados nos locais de trabalho, continuamos pagando passagens de ônibus e continuamos trabalhando para o patrão sob a supervisão do burocrata. Ou seja, o capitalismo continua existindo, assim como as relações de opressão e exploração.
As manifestações espontâneas que ocorrem fora dos locais de trabalho, no entanto, estão se tornando cada vez mais radicais e podem abrir brechas no capitalismo para dar início a um processo revolucionário. Isso pode ocorrer quando a luta espontânea dos operários se instalar simultaneamente a aquelas. Desta forma a sociedade será tomada pela luta declarada e aberta das classes exploradas e oprimidas, momento em que juntam suas forças contra seus opressores e exploradores. É neste momento que se coloca a possibilidade da passagem das lutas autônomas dos operários para as lutas autogestionárias.
Quando as lutas autônomas são substituídas pelas lutas autogestionárias, o conflito se torna mais grave, a guerra civil oculta se transforma visivelmente em guerra civil aberta e ambos os lados radicalizam suas ações e a vitória da classe capitalista ou da burocracia significa a contra-revolução, enquanto que a vitória da classe operária significa a instauração da autogestão social (VIANA, 2008, p. 29).
               
As diversas manifestações espontâneas que vem surgindo em todo mundo, portanto, é o anúncio de uma nova era, o começo de uma nova história, a ser escrita pelas mãos dos trabalhadores, que erguerão uma sociedade que será gerida por eles próprios. Concluíram que a extinção da miséria, da fome, da pobreza, das classes oprimidas e exploradas, em síntese, do descontentamento histórico que perdura até a atualidade, só pode se tornar uma realidade com o fim daquele que o produz, ou seja, com o fim do capitalismo e seu representante direto, o estado. Esse fim, no entanto, só poderá ser obra, daqueles que são oprimidos e explorados nesta sociedade. As manifestações espontâneas estão, tão somente, anunciando que este fim se aproxima.

Bibliografia

MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Global, 1986.
PANNEKOEK, Anton. A Revolução dos Trabalhadores. Porto Alegre: Barba Ruiva, 2007.

VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. Rio de Janeiro: Achiamé, 2008.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Das greves isoladas à greve geral e de ocupação ativa

Das greves isoladas à greve geral e de ocupação ativa
Edmilson Marques

O capitalismo é acompanhado em toda a sua história por um embrião que ele próprio gerou. Embrião que tende a, uma ou outra hora, provocar o rebento contra a vontade de seu gerador. Este embrião a greve operária. Esta é um fenômeno complexo, sendo o resultado de múltiplas determinações, vista predominantemente como algo negativo, ruim, a causa de desordens para a vida na sociedade, por isso sempre reprimida pelos patrões e pelo estado. Mas, ao analisar o processo histórico das greves, observa-se que representa a expressão de luta de indivíduos descontentes com alguma questão que incomoda sua vida na sociedade.
Devido a essa dubiedade interpretativa em relação à greve é que buscaremos discutir a razão de ser da greve, assim como o porquê esta representa um embrião, e sendo um embrião, o que pode ser gerado daí. Enfim, buscaremos analisar algumas determinações existentes em torno das greves isoladas e a necessidade de sua passagem para a greve geral aliada à greve operária e de ocupação ativa. Assim, acreditamos esclarecer a razão de ser destas concepções apresentadas anteriormente.
Rosa Luxemburgo (2011b, p. 299) coloca que a greve “é o pulso vivo da revolução e, ao mesmo tempo, seu motor mais poderoso [...] é o modo de movimentação da massa proletária, a forma de expressão da luta proletária na revolução”. A greve é fruto da ação de indivíduos descontentes com alguma questão que dificulta a vida que levam na sociedade. As paralisações laborais pré-capitalistas são frutos deste descontentamento, e no capitalismo, expressa a sua ampliação e aprofundamento. Assim, “as diversas formas de paralisações da atividade laboral antes do advento da consolidação do capitalismo moderno são antecedentes históricos das greves operárias” (VIANA, 2008, p. 24).
A questão fundamental e razão de ser da greve, portanto, é a existência de modos de produção determinados pela divisão social do trabalho, ou seja, de sociedades divididas em classes sociais. E isso se dá porque em uma sociedade de classes sempre haverá uma classe que domina, oprime e explora outras classes; uma classe que desfruta de uma vida privilegiada (comida farta e boa, moradia confortável, etc.), que devido ao interesse de manter seus privilégios, submetem outros indivíduos à opressão e exploração, e por isso, os constrange a lutarem para transformar as condições deprimentes de sua vida, e uma das expressões desta luta é a greve, através da qual abre a possibilidade da emancipação histórica da humanidade. Como colocou Marx, “uma das formas mais comuns de movimento pela emancipação são as greves” (MARX, 2003, p. 119).


PARA LER ESTE ARTIGO NA ÍNTEGRA, ACESSE ESSE ENDEREÇO: http://enfrentamento.net/enf11.pdf





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Livro Intelectualidade e Luta de Classes


Sumário

Introdução ...................................................................... 03
Prefácio     ...................................................................... 05
José Santana
Intelectualidade e Luta de Cultural ................................... 12
Edmilson Marques
Foucault: Os intelectuais e o Poder .................................. 29
Nildo Viana
Regime de Acumulação Integral e o Debate sobre Mudar o Mundo sem Tomar o Poder ... 50
Diego Marques Pereira dos Anjos
Terry Eagleton Contra os Pós-Modernos: a ironia de uma crítica corrosiva ..... 72
Lisandro Braga
Reforma, Revolução e Ação-Intelectual .......................... 88
Erisvaldo Souza
Jean Barrot e "O Movimento Comunista" ........................ 104
Lucas Maia
MARQUES, Edmilson e BRAGA, Lisandro (orgs.). Intelectualidade e Luta de Classes. São Carlos: Pedro e João Editores, 2013.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Revista Espaço Livre número 14



Para acessar a revista, acesse o seguinte endereço: http://www.revistaespacolivre.net/

Apresentação

Edmilson Marques

A Revista Espaço Livre chega à sua décima quarta edição trazendo neste número, um conjunto de textos que, de uma forma ou de outra, contribuem para avançar e aprofundar a teoria da sociedade. A teoria da sociedade é expressão da luta revolucionária do proletariado, e enquanto tal, é fruto do trabalho daqueles que buscam contribuir com a emancipação humana, que só é possível abolindo a sociedade de classes. Nesse sentido, é uma necessidade premente a crítica desapiedada do existente com o objetivo de revelar as determinações que resulta a sociedade atual, fundada em relações de exploração e opressão.
Enquanto a luta de classes permanece no patamar das lutas cotidianas, o trabalho intelectual que busca desenvolver uma teoria da sociedade exige um esforço difícil, já que pressupõe uma luta contra si mesmo, contra os valores burgueses que hegemonicamente influenciam a nossa formação. A história do capitalismo, no entanto, demonstra a existência de um conjunto de indivíduo que incansavelmente colocam a luta pela emancipação humana como o objetivo fundamental em suas vidas. Em sua maioria, compreendem que a transformação social só é possível a partir da luta revolucionária do proletariado, e que esta não é tarefa de partido.
É nesse sentido que caminha o texto de David Carneiro, “A Importância da Organização: Errico Malatesta e seu programa revolucionário”, com a proposta de apontar algumas teses do anarqruista italiano Errico Malatesta e demonstar o caráter libertário intrínseca em sua concepção. O autor aborda a questão da organização dos trabalhadores, o conceito de anarquia e outros aspectos da obra do referido autor que contribui com a luta proletária.
Com o título “Élisée Reclus e a Concepção do Estado: elementos de uma crítica multideterminante”, João Gabriel da Fonseca Mateus apresenta uma proposta de “buscar um referencial eminentemente anarquista e revolucionário, com a preocupação de propor (além do que poderia trazer academicamente) uma militância libertária”. João Gabriel objetiva, portanto, analisar a obra de Élisée Reclus no sentido de verificar sua contribuição para o que ele denomina de “anarquismo social”, com enfoque em sua concepção de Estado.
O terceiro texto desta coletânea é de autoria de Lucas Maia que apresenta como proposta analisar “A Produção da Ideologia e a Questão dos Valores”, sendo este o título da referida discussão. O objetivo do autor é discutir os processos de “interdependência entre ideologias e valores”, com a tese central de que “as ideologias, tanto ao serem produzidas quanto ao serem consumidas, são determinadas pelos valores dos indivíduos e grupos que a estão produzindo ou consumindo”.
Em seguida o leitor poderá acompanhar o debate realizado por Marlon Teixeira de Faria, através de seu artigo “Educação e Relações Sociais”. A proposta aqui é analisar o processo educacional, articulando análises de vários autores que dedicaram a pensar a educação. Entre os vários autores utilizados, os fundamentais nesta discussão para o autor foram Niskier (1992) e Viana (2004 e 2008). Uma das percepções do autor é que “o processo educacional carrega em seu bojo um alto grau de formação e condicionamento de indivíduos na sociedade”.
O texto de Nildo Viana trás o sugestivo título “Quem São os Invasores? A Crítica ao Macartismo em ‘Vampiros de Almas’”. Para Viana “os filmes de ficção científica que mostram alienígenas tomando conta de corpos humanos através de vagens tem toda uma história que remete ao tema do conformismo e do comunismo”, mas qual é “a mensagem que estes filmes repassam? Trata-se de temor da “ameaça comunista”? Trata-se de crítica ao conformismo da sociedade norte-americana? Ou é mera ficção sem nenhuma pretensão de repassar mensagens políticas ou sociais?”. São estas as questões que o autor buscará analisar em seu texto.
Esta edição da Revista Espaço Livre apresenta também um breve texto de Noam Chomsky, uma tradução realizada por Nildo Viana, em que Chomsky apresenta uma indispensável reflexão sobre o “Leninismo e o Capitalismo de Estado”. Viana observa que este texto se trata de um extrato de “Os Intelectuais e o Estado” (1977), publicado no livro Para uma Nova Guerra Fria (1982).
Para completar esta edição três obras são apresentadas respectivamente no tópico “resenhas” por Alan Ricardo Duarte Pereira, João Gabriel da Fonseca Mateus e Gilson Dantas. Com o título “Cinema e Marxismo: o materialismo histórico”, Alan Pereira apresenta analiticamente o livro A Concepção Materialista da História do Cinema de Nildo Viana. Em seguida o livro de Eliane Maria de Jesus, Educação e Capitalismo: para uma crítica a Paulo Freire, é analisado por João Gabriel Mateus e finalmente, Gilson Dantas sugere o livro A Sociedade Cancerígena de Genevieve Barbier e Armand Farrachi.
Enfim, reitero a necessidade da crítica desapiedada do existente, o meio fundamental para se contribuir com a emancipação humana. Este número da Espaço Livre cumpre com este papel. Boa leitura!